Conheci
outra pessoa
que
vestia sua pele,
a
boca falando palavras que não eram as suas
e
o coração batia sentimentos estranhos
Ela
tinha os olhos certos,
mas
olhar errado.
A
voz estava correta.
Mas
não os timbres
e
nem as inflexões.
Essa
pessoa que conheci,
ocupando
o espaço onde seu corpo deveria estar,
era
legião
Desesperada-eufórico
/ frágil-forte / bela-feio / amável-odiosa / tola-sábio / velho-moça / violenta-pacífico
/ medonho-sedutora / cheia-vazio / feminino-masculina...
Ela
chorava-gargalhava simultaneamente...
Amontoando
coisas contraditórias entre si
para
fazer caber de tudo
em
seu rosto multifacetado
que
era pintado de cores inéditas
(para
as quais não havia nomes)
e
sulcado de texturas irresolutas,
como
ondas
que
não se decidiram entre calmaria ou tempestade
E
essa pessoa que conheci
reluzia
no escuro
onde
vivia verdadeiras vidas falsas
cheias
de um encantamento
que
exalava
em
falas que calavam
e
silêncios potentes
O
mundo inteiro gravitava ao redor
esperando
uma palavra sua que o autorizasse a existir
ou
o obrigasse a se desfazer
Solve et coagula
De
repente, esse outro já nem era uma pessoa.
Era um coelho em fuga e era uma nuvem e era um lagarto ao sol e era um
cão e era uma mesa de laca vermelha e era o arrependimento dos pecadores e era
os ossos doloridos de uma senhora velha e era uma faca enferrujada e era o tilintar
de copos de cristal e era um suspiro e era o aroma de uma flor amarela e era o
som da chuva num teto de zinco e era o desespero de um estômago vazio e era o
passo silencioso de um gato caçando e era o sonho que ainda não nasceu. E era o
passado e era o futuro.
E
era a atriz no palco.
O
Alfa. O Omega.
Conheci
outra pessoa.
Só
que ela se desfez em aplausos e deixou de existir
no
mesmo instante em que reencontrei você.
- Escrito em homenagem à formatura de minha esposa – e mãe de minha filha não nascida – no curso de teatro.
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