17.12.13

Outra Pessoa

Conheci outra pessoa
que vestia sua pele,
a boca falando palavras que não eram as suas
e o coração batia sentimentos estranhos

Ela tinha os olhos certos,
mas olhar errado.

A voz estava correta.
Mas não os timbres
e nem as inflexões.

Essa pessoa que conheci,
ocupando o espaço onde seu corpo deveria estar,
era legião

Desesperada-eufórico / frágil-forte / bela-feio / amável-odiosa / tola-sábio / velho-moça / violenta-pacífico / medonho-sedutora / cheia-vazio / feminino-masculina...
Ela chorava-gargalhava simultaneamente...
Amontoando coisas contraditórias entre si
para fazer caber de tudo
em seu rosto multifacetado
que era pintado de cores inéditas
(para as quais não havia nomes)
e sulcado de texturas irresolutas,
como ondas
que não se decidiram entre calmaria ou tempestade

E essa pessoa que conheci
reluzia no escuro
onde vivia verdadeiras vidas falsas
cheias de um encantamento
que exalava
em falas que calavam
e silêncios potentes

O mundo inteiro gravitava ao redor
esperando uma palavra sua que o autorizasse a existir
ou o obrigasse a se desfazer

Solve et coagula

De repente, esse outro já nem era uma pessoa.  Era um coelho em fuga e era uma nuvem e era um lagarto ao sol e era um cão e era uma mesa de laca vermelha e era o arrependimento dos pecadores e era os ossos doloridos de uma senhora velha e era uma faca enferrujada e era o tilintar de copos de cristal e era um suspiro e era o aroma de uma flor amarela e era o som da chuva num teto de zinco e era o desespero de um estômago vazio e era o passo silencioso de um gato caçando e era o sonho que ainda não nasceu. E era o passado e era o futuro.

E era a atriz no palco.
O Alfa. O Omega.

Conheci outra pessoa.
Só que ela se desfez em aplausos e deixou de existir

no mesmo instante em que reencontrei você.

- Escrito em homenagem à formatura de minha esposa – e mãe de minha filha não nascida – no curso de teatro.

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