28.10.04

Paralelas

Alguém pintou um risco colorido
diretamente sobre o ar.
Num cartaz: "Título: Arte em Vermelho".
Exasperante como o sangue -- Mas eu como sangue:
Alimento Litúrgico Perfeito.

A pintura: sem contexto; sem suporte.
Apenas flutuante reta de tinta no ar.
Estática esfinge que é fonte dos mistérios.
Entre seu começo e fim
a regularidade certa de braços bem grandes,
bem abertos. Vento algum
lhe estragaria a simetria construída
com um só golpe seco do pincel.

Olhos tantos, tantos pares passantes
testemunhavam para si o risco de tom rubro
impossível. Coisa sacra. Coisa fúnebre
Ninguém ousava tocar ou comentar
sua natureza assombrada.
Apenas passavam cismados,
acreditavam em mágica de truque ou
segredo de efeito especial ("hollywood").

Desatentos, perderam, na surpreza,
o discurso direto expresso naquela linha reta
matizado por um certo calor cromátivo.
Nem ouviram a pergunta geométrica ao meio fio:
"Nos encontramos no infinito?".

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Uma piração um tanto dadaísta p o gosto usual. Queria brincar de autor mudernérrimo (espero ter soado vazio o suficiente e arrogante o bastante p ser mudernérrimo). Com um pouco de cuidado percebe-se q tudo gira em torno da fruição da arte. Qdo postas frente qq forma de arte menos convencional a maioria das pessoas assume uma postura incomodamente defensiva q -- no geral -- termina com a simples desqualificação da obra enquanto objeto de arte.

Claro q dou razão qdo dizem q a arte moderna é, muitas vezes, o reino da mediocridade oculto sob montes de explicações incompreensíveis. Tb penso assim, às vezes. Mas discordo qto a levar essa crítica a seu extremo lógico e dizer q a boa arte "deve" ser compreensível. Se fosse assim alguém deveria revogar da "Gioconda" (a.k.a "Mona Lisa") o título de quadro mais importante do mundo, afinal não conheço ninguém capaz de explicar aquele sorriso.

21.10.04

Navalha

A navalha beija a pele
que beija a navalha que
beija a carne que beija
a navalha que beija a
veia que beija a navalha
que beija a vida.
Vida, derretida em sangue!

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Texto simplezinho, feito de repetições e uma gradação. Não tem muito o q explicar por aqui. O texto descreve alguém cortando os pulsos... Mais nada.

Antes q algum engraçadinho/amigo sincero/namorada/bom samaritano/agente especial do CVV pergunte.. Não, não estou deprimido e não estou pensando em suicídio (muito pelo contrário). Foi só uma idéia de momento.

18.10.04

Baguera & Shere Khan

Subitamente no Centro Coração das Trevas,
rebrilharam uns olhos verdes cheios duma faísca predadora.
Foram as primeiras estrelas que pontilharam a extensão pura da noite
-- a casca compacta e negra dum ovo vista por dentro --
que cercava tudo a tudo sufocando.
Hipnóticos, só eles faziam sentido!
Aos olhos, seguia-se um corpo esguio, meio grande, e também negro.
Decididamente felino!
Como se recortassem uma silhueta de gato, naquela homegeneidade
[dolorosa subtraindo da massa informe uma outra,
[bem delimitada pela própria singularidade.
Ficaram parados, imóveis... os olhos e o corpo que os acompanhava.
Exceto pela cauda, a cauda que se movia -- introduzindo a brisa na asfixia.
Todo o conjunto -- olhos-corpo-cauda -- encarava o epicentro do Coração das Trevas.
O avaliava. Infinitamente concentrado naquele ponto.
Porque o avaliador estivesse presente, o avaliado estava igualmente lá.
Desafiado pelo olhar da Pantera!
Não poderia ser qualquer outra coisa. Era uma Pantera que o encarava.
E estava à sua frente (Porque agora, que havia o que olhar,
[existia uma frente)!
Ia talvez atacá-lo, ai talvez mata-lo!
Agora que nascia para si mesmo e estava prestes a existir, morreria?
Sabia, pela primeira vez, a exata a extensão da vida inteira.
E tremia e tremia... temendo o instante do bote.
Mas a Pantera não saltava. Não saltou.
Ao contrário, andou de movimentos fáceis à volta toda.
Perto, mais perto, mais perto... Logo ao alcance da mão...
Na suavidade do primeiro toque do pêlo dela sobre o pêlo dele.
[Uma explosão! Luz!
Quebrado transe do Centro, o Coração da Trevas rompeu-se em Savana,
campo de caça inundada de cores e cheiros para o exercício dos corpos.
O antigo Centro agora era ocupante do mundo. Vestia um corpo vigoroso
pintado de tons laranja-avermelhados e raiado do puro negro antigo
(Para sempre lembrar de sua origem).
Examinou-se. Testou-se. Aprovou-se.
Seus olhos (que eram amarelados) perguntaram diretamente aos olhos
[bem verdes dela: "Vamos?"
E parceiros o Tigre e a Pantera sairam à caça.

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Há algum tempo escrevi um texto que chamei "A Pantera". Esse texto foi dedicado a alguém. Sob alguns aspectos esse novo texto é uma continuação daquele primeiro, mas tanta coisa mudou q a continuação é praticamente uma inversão do original. Sintetiza muita coisa q vem acontecendo, q venho sentindo, q venho provando nos últimos tempos. Não sinto mais q sou vítma esperando um avanço (temendo e o desejando simultaneamente). Descobri q sou complementar a ela. Somos igualmente totêmicos. Escolhi o Tigre p mim... Um pouco por pretensão pura e simples, um pouco pq sou doido por tigres, um pouco porque o título (referência a "O Livro da Selva" de Rudyard Kipling... mais conhecido como "Mogli - O Menino Lobo") me soou atraente o suficiente. Agora preciso desesperadamente ir. Pq a Pantera me espera.

[ps] Escrevi esse texto correndo na segunda-feira e não tinha tido tempo de fazer uma revisão dele até o momento. Fiz várias correções, algumas alterações pqnas no poema em si mesmo e mudei a diagramação p deixar mais claro onde começam e onde terminam os versos. Tb editei algo em minha nota pos-poema.

Tb aproveitei p ler os coments. Um deles (extremamente longo por sinal) praticamente grita por uma resposta mau humorada, mas, quer saber, ando contente d+ p ficar entrando (publicamente ainda por cima) em polemicazinhas sem conteúdo, chance de acordo ou futuro... Por isso decidi segurar a minha língua (coisa q de geral não faço) e apagar o tal coment sem qq resposta, espero q isso já seja o bastante. [/ps]

8.10.04

EU, VOCÊ, NÓS

No principio era o "EU"...
e, o EU era DURO
e, o EU era FEIO
e, o EU era FRIO
e, o EU era SECO
e, o EU era ARIDO
Então surgiu "VOCÊ", com seu ar amigo, e seu (e so seu) jeito bonito
[de vir, ver e viver;
que emprestou pra "EU" um pouco de luz
E, assim, se fez o "NÓS"!
"EU" ficou olhando com espanto
trancado, tristonho
em seu sombrio, pequeno canto;
aquele estranho conhecido (pois tinha sua face) que lhe sorria ...

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Rs vários & vários rss! "EU, VOCÊ, NÓS" é o primeiro poema q escrevi na vida e desperta um sem número de lembranças. Q adolescente arrogante fui ao tentar, logo no texto de estréia, emular o estílo biblico de tecer mitos. Tb fui um adolescente deprimido! Doente dessa depressão compartilhavam por todos nessa faixa etária... é o "amor eteno" q nem nos nota estando a menos de 4 carteiras de distância, é o colega q nos enche o saco, é a família nos cobrando uma maturidade q ainda não temos -- e nem eles mesmos, como acabamos fatalmente descobrindo anos depois --, é o prof. fdp-insano-q-nos-persegue-injustamente... Bons tempos aqueles. :-)

Mas longe de mim ser um desses nostálgicos, precocemente embolorados, tão comuns. Viúvos de sua própria adolescência como Casimiro de Abreu o era de sua infância (Oh! que saudades que eu tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!"). Vão cultuar os anos 80/90 em outras bandas. O futuro chegou p o bem ou p o mal e pretendo fazer pte dele.

Fiz algumas poucas mudanças nesse texto, antes correções conceituais q mudanças estéticas. A versão 100% original pode ser conferida no Bom Dia, Borbole (link no campo de links... não vá se perder!). Só mesmo a Mon p dar valor ao meu manuscrito original e guarda-lo por tanto tempo.

[notas] Imprensa Marrom, in Memorian

Tlvz o bom leitor já esteja careca de saber, mas o Imprensa Marrom foi tirado do ar por decisão judicial.

O imbróglio aconteceu por conta do comentário de algum leitor raivoso (não de um post da equipe referido blog) com sei lá qual serríssimo empresário da igualmente serríssima indústria de "recolocação profissional". O comentário girava em torno das preferência sexuais do dito empresário q deve, com certa justiça até, ter tido seus sentimentos mais "delicados" feridos por tamanha injúria. Trata-se de homem extremamente "sensível".

Por conta disso, o "sensibilíssimo" e serríssimo sr. empresário recolocador de profissionais "delicadamente" acionou seus advogados... o resto da história pode ser lida no Pensar Enlouquece. [/nota]

7.10.04

Contemplação ativa

Conversa de horas altas
longamente espreguiçada.

Ela adormece sobre o colo,
uma paisagem estendida
explorada entre sonhos pelos olhos.
Simultâneos dos dedos,
desfazendo os cabelos
fio a fio, embrenhados
nos mistérios femininos.

Contemplação ativa.
Cegos provam da pele pelo toque.
Experimento tabém.
Tem não sei que gosto,
talvez o de paz.
Tem não sei que cheiro,
talvez o de flor.
Tem não sei que sentido,
talvez o do Coração...

...mas esse tal Coração,
inchaço de entupir o peito,
é vazio e desmedido.
Todas as amarguras interditas
cabem lá. Sobra espaço.

A Noite, cravejada de estrelas e fatalidades,
termina seu turno, vai embora vestida de dourado.
Ela acorda e também vai embora. Vestida de azul?
Quem sabem não foram apenas meus olhos
pregando peças na memória.

Memória que, também feminina,
vem para me ocupar o colo...

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A idéia não era ter um texto por dia? Sim. Tenho negligenciado este blog. Ando entre o amargo como o diabo e o doce como um querubim esses dias e não consigo escrever com regularidade (qdo vc está submetido a bruscas variações na temperatura emocional é bem difícil conceber sentimentos falsos em grafite, tinta ou pixels). As coisas têm se desfeito mais rápido do que se feito em minha vida e, as vezes, o feito parace miragem. Desaparece qdo está ao alcance...

Esse nasceu um pouco de um outro mais antigo chamado Adormecida q não publico por se tratar de prosa... nesse incarnação versificada ele nasceu hoje pela manhã de um jeito, mas -- vítima das circunstâncias --precisou renascer hoje a tarde (esteticamente gostei mais de seu segundo parto). Tlvz um helenista esperto lembrasse aqui dos nascimentos de Dionísio (tentei achar um link para o mito, sem muito sucesso). Convenhamos, helenistas espertos andam uma raridade hoje em dia.

[nota] Outro dia comentei sobre certo aniversário (o meu) e preciso dizer alguns obrigados pessoais. Isso q cria um problema. Esse blog não é sobre mim, mas sobre meus textos (e tlvz alguns rants sobre CC e a tão necessária humanização da indústria do copyright). Os observadores já devem ter notado a quase completa ausência do termo "eu" por aqui com tb o excesso de linguagem vaga sobre pessoas e situações. Questão de estilo com o qual, momentaneamente, quebro.

Mãe & Pai: No final, vc estava certa sobre os brigadeiros e os salgadinhos. Mas o certo é q nunca tem cerveja o suficiente.

K & Ed & G & Du & Carol & Manda: Valeu por tudo manas. Especialmente por me divertirem lembrando estórias dos tempos em q "Moniquinha" ligava lá p casa p longas conversas. Ainda bem q vc não lembraram q Vivi fazia o mesmo. Isso decididamente teria provocado um arranca-rabos.

Anja: Obrigado pelo telefonema. Foi mais importante do q vc imagina.

Lis: Agradeço sua incursão improvisada pelo Gonzaga e o fato de vc não ter ficado ressentida o suficiente p me negar aquela música. Apreciei ambas as coisas. Desculpe novamente por aquela conversa tola.

Mon: Foi bom vc ter vindo. Fazia absoluta questão de sua presença e se não liguei antes foi por realmente acreditar q vc não viria! Tomei a liberdade de passar seu(s) recado(s).

Risada: Valeu o desenho, rapaz! Ainda vou achar um lugar p pendura-lo.

Bruno: Qq outro dia a gente ainda vai naquele lugar. Curtir um teatrinho & curtir um barato.

Jr.: Valeu o Eisner. Ele é ótimo! Tb valeu a quase profética interpretação de "De Mais Ninguém".

Babs & Kim: Se rolar estarei lá nesse sábado. Avisa a sua filhota q minhas sobrinhas gostaram dela!

Morpho & Lu: Foi mau pelo desencontro no Stones. Valeu a presença sempre valiosa.

Marinho & Lu pqna: Valeu muito terem vindo. O mutismo da proverbialmente falante pqna foi uma verdadeira surpreza.

Jacques & Lica: Vcs literalmente salvaram minha noite na sexta. Aquela carne de sol é simplesmente fantástica.

Sermo: Eita lugarzinho embaço aquele q vc foi me arrumar, señor! Mas blz. Aguardo os quitutes árabes e o arguile aditivado.

E tb aos vários q apenas participaram como figurantes [/nota]