18.5.05

No deserto

Ao andar no deserto,
vi o Sol e mais nada.

Nenhum velho xamã
veio, em visões, me saudar.
Oferecer peiote e ervas secretas.
Cantar canções tecidas
dum fio contínuo de palavras sábias
fiado nos seus velhos lábios de couro cru.

Sem profecia, sem destino.
Sem a mágica da manta-canção.
Que protege do Dia. Que protege da Noite. Que protege da paisagem.

A areia
nunca foi dividida em duas
pelo nadar do corpo ondulante
duma Serpente Ancestral.
Ela não veio a mim.
Com Olhos de Jade. Escamas Vermelhas.
Não recebi dela o veneno que cura fadigas.
Transporta para casa quando nos perdemos.
Ela não me deixou cavalgar sua espinha
através da eternidade. Nem desafiou minha coragem.

Não iniciado. Não olhei a boca que engole o tempo.
Não posso ser adulto. Guerreiro. Não sou parte da tribo.
As tendas estão fechadas. As fogueiras apagadas.
As canções de guerra e de caça ficaram mudas para mim.

O céu não foi
coberto pela asa imensa do Falcão.
A sombra não pairou. Continuo vítma do Sol.
O vento não veio. Para soprar o pó. Para ajudar a respirar.

Nenhum Puma.
Nenhum Totem.
Nada me perseguiu
através do deserto
até o lago antigo
o oasis ancestral.
Não beberei das visões.
Não beberei das miragens.
Não beberei água fresca.
Nem do sangue do Cristo.

No deserto:
O Sol e só;
A areia apenas;
Ambas compartilhando, o tom
amarelo-dourado que se impregna em tudo.
"Assim como é embaixo, assim deve ser em cima".
Desafio terreno. Erguido em pilar de poeira.
Uma torre que grita, em mil línguas, palavras absolutamente iguais.

O pó, quente e seco,
é a única chuva.
Ele penetra na carne
como milhões de agulhas.
Lixa a pele.
Come a carne.
Gasta os ossos.
Sobra a alma,
imune a toda morte,
trespassada de Dourado.

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Feito sob a influência do filme do Doors.

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